- Por Cido Coelho – publicado em 17/04/2020, no Orbis Media Review
Desinformação, manipulação, fake news, ou apenas mentiras são utilizadas para promover a fuga da realidade, distorcer a verdade e deslegitimar quem detém o pleno saber sobre determinados assuntos ratificados pela ciência e por décadas de estudos.
No jornalismo aprendemos que os fatos não mudam; os fatos devem ser informados de forma íntegra e reta para o público. Em tempos de desinformação, a mentira toma conta de forma sorrateira e galopante com o objetivo de soterrar o lugar da verdade. George Orwell relembra sua participação na Guerra Civil Espanhola (1936-1939) no ensaio “Recordando a Guerra Civil”, dentro da obra Lutando na Espanha. Ele ressalta o sucesso e a eficiência da propaganda fascista durante combate espanhol em apenas uma frase:
“Esse tipo de coisa me assusta, pois muitas vezes me proporciona o sentimento de que o próprio conceito da verdade objetiva está acabando em nosso mundo.”
Em alguns momentos de crises agudas, a manipulação da informação é combinada com uma dissimulação sistemática, truculência e com excesso de poder. O jornalismo torna-se um dos primeiros inimigos, em que a tática de desinformar e confundir busca trazer a deslegitimação do ofício nestes momentos de confusão ou ruído.
Isso pode ser observado no mundo da política em que muitos casos, a aparência e valores se impõem para cumprir um objetivo ou atender algum interesse. Como diz Matthew D’Ancona, escritor de “Pós-Verdade: A nova guerra contra os fatos em tempos de fake news”,
“… as mentiras, as manipulações e as falsidades políticas enfaticamente não são o mesmo que a pós-verdade. A novidade não é a desonestidade dos políticos, mas a resposta do público a isso”. Por isso, a desinformação e a mentira, combinadas com o sistêmico comportamento desonesto de alguns políticos, ou de quem faz política, gera a indiferença e, posteriormente, a conivência entre o seu público que aceita esta ‘verdade’ sem inquietações.”
Por isso, na obra “O Príncipe”, de Nicolau Maquiavel (1469-1527), a política é a arte das aparências e, trazendo aos dias atuais, qualquer um que tenha posse da narrativa tem a chance estabelecer um novo fato, usando sua fortuna (o acaso) muitas vezes para conquistar o virtu (a astúcia) diante de seus seguidores. Assim, joga uma camada de confusão na informação trazida pelos profissionais de imprensa.
Dessa forma, muitos consumidores de informação deixam de lado a verdade dos fatos e passam a se confortar com sua versão da realidade, criando e acessando sites, canais de vídeos e produtos alternativos que têm embasado em suas ‘linhas editoriais’ suas teorias da conspiração, subvertendo o verdadeiro contexto do fato exposto.
Como profissionais, já enfrentamos uma crise significativa com o avanço do desemprego, por causa da transformação dos meios de comunicação, da queda de publicidade e da forte mudança de hábitos de consumo das pessoas. A prática do jornalismo foi impactada pela disrupção digital, que mudou de forma irreversível os comportamentos de consumo da informação. Isso gerou a inclusão de novos processos de trabalho, a unificação de práticas que eram realizadas com equipes e, agora, torna-se um ofício mais solitário.
O agenda setting ou a teoria do agendamento, onde os assuntos do dia são escolhidos pela mídia, perdeu força. Pois, antes, a mídia e os jornalistas eram o principal elo entre os acontecimentos pelo mundo. Isso se alterou profundamente com o desenvolvimento de novas tecnologias de informação. Pois com a ascendência e a popularização da Internet, praticamente todos têm acesso a vários tipos de conteúdo e meios de distribuição, para formar uma opinião e até mesmo gerar uma realidade a partir do que foi exposto.
Por isso, para se diferenciar e subir o patamar da produção e distribuição de informações, a curadoria emerge como uma opção relevante ao protagonismo de levar os fatos para a sociedade. Exemplos não faltam, como a formação do Projeto Comprova, onde jornalistas de várias regiões brasileiras, com características técnicas e culturais distintas, se unem para levantar, investigar e apontar o conteúdo falacioso que deturpa o caminho correto da verdade.
Neste exemplo, o trabalho coletivo de curadoria de informações que retirar e desmontar o efeito de conteúdo malicioso traz a clareza ao fato. Sendo assim, se desconstrói a distorção, anulando o interesse escondido por trás desse conteúdo malicioso.
A desinformação pode ferir pessoas, destruir reputações, causar pânico e até matar em alguns casos. Como em maio de 2014, um boato na rede social, publicado na página do Facebook ‘Guarujá Alerta’, apontou que uma dona de casa seria uma sequestradora de crianças que praticava rituais de magia negra. Alguns moradores que tiveram conhecimento deste boato agrediram a mulher por cerca de duas horas até a morte.
Em março deste ano, com o início da quarentena do coronavírus (Covid-19), uma notícia antiga do portal G1 Santos causou pânico na população. Com o título “Mercados e lojas foram saqueados em São Vicente”, o material viralizou como um factual. As postagens alarmistas relacionavam o crime ao isolamento social, que é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No entanto, a notícia foi publicada em 2013, e o grupo de mídia responsável pelo conteúdo repudiou dos usuários na internet.
A curadoria ganha força para dar corpo ao jornalismo, com apoio de uso de ferramentas digitais integradas às redações, para que o jornalista possa trabalhar com agilidade, tecnicidade e cuidado para trazer à tona o que é verdadeiro e distinguir do que é falso. Esta prática ratifica o ofício e a importância de ser testemunha da história, levando os fatos corretos conforme eles são. O jornalista é o profissional que vai continuar contando histórias e seguirá trazendo os fatos que são importantes para que as pessoas possam tê-los consigo para governar suas vidas.
Usando a metáfora do cozinheiro, que vai preparar uma refeição completa: ele utiliza técnicas especiais para garantir que o alimento terá o ponto certo de cozimento, temperatura ideal, acidez e combinação de sabores alinhadas ao paladar de quem consome. Com o jornalista, o processo é semelhante. O profissional da comunicação terá de usar técnicas novas para trazer o melhor conteúdo; terá que mergulhar no grande volume de informações, do dado ao big data, consultando as fontes necessárias, atores e especialistas de determinados assuntos relevantes para a condução da história. Com o uso de técnicas e tecnologias, o jornalista deverá extrair informação relevante, garantindo que o conteúdo elaborado tem todos os elementos necessários para elucidar o desenvolvimento de um fato que tenha relevância e até mesmo possa modificar os rumos da história em momentos cruciais.
O jornalista tem a obrigação de construir uma história que seja objetiva para o entendimento de quem vai consumir determinada informação ou fato, independentemente do tipo de mídia, ou formato. Lembrando o especialista canadense Marshall McLuhan, “o meio é mensagem”, ou seja, a mídia que será utilizada fará parte da forma que será conduzida a informação, cujo destinatário final é o consumidor da notícia. Isso torna-se singular na distinção do papel do jornalista e de quem anseia apenas a gerar confusão.
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